No fim de abril, o governo Bolsonaro anunciou o congelamento de R$ 1,7 bilhões dos gastos das universidades, um contingenciamento que afetará 63 universidades e dos 38 institutos federais de ensino, decisão que afetará sem dúvida as pesquisas em andamento no Brasil, assim como novos projetos de pesquisas. No total, cerca de 3.500 bolsas de mestrados e doutorados foram bloqueadas com a medida, gerando uma onda de protestos e paralisações em todos os Estados e Distrito Federal. Mais de 200 cidades do país registraram atos de estudantes e professores contra a medida do governo e a reação do presidente da República, Jair Bolsonaro, diante das manifestações foi chamar os estudantes brasileiros de “idiotas úteis”, gerando uma imediata onda de reação.
Que o Brasil precisa cortar gastos, não se discute. Em 2017, o governo Temer percebeu que o buraco nas contas públicas seria maior do que os R$ 139 bilhões previstos e a solução encontrada foi aumentar os impostos sobre combustíveis e cortar investimentos em obras de infraestrutura, medidas de significado aparente, assim como o contingenciamento em Educação do governo Bolsonaro. Cortar gastos de fato seria cortar na própria carne, cortar privilégios, enxugar a máquina pública ligada diretamente aos três poderes. Mas prefere-se cortar na carne alheia.
O Legislativo brasileiro, por exemplo, tem um orçamento anual de cerca de R$ 8,1 bilhões, sendo que 74% desse total é despendido com gasto de pessoal, já que cada um dos 513 deputados pode ter até 25 assessores e os 81 senadores chegam a ter mais de 80 funcionários no gabinete. De forma similar, a folha de pagamento do Judiciário atinge cerca de 25 bilhões anuais.
Só com pagamento de auxílio-alimentação, auxílio pré-escola e auxílio-transporte dos servidores do Executivo, do Legislativo e do Judiciário o governo gasta R$ 3,8 bilhões anuais, valor que, somado aos supersalários (salários que ultrapassam o teto do funcionalismo e que deveriam ser cortados no limite do teto), representaria, se não gasto, uma economia anual de R$ 1,2 bilhão.
Do mesmo modo, cortar os gastos com o auxílio-moradia para juízes, muitos com casa própria, faria o Estado brasileiro economizar um montante em torno de R$ 4,7 bilhões, valor que poderia ser somado a mais R$ 1,15 bilhão se o período de férias da magistratura passasse de 60 para 30 dias.
Nesse rol de cortes, também poderiam estar inseridos os militares, já que um em cada três servidores do Executivo é vinculado às Forças Armadas. Por exemplo, dos 1.172.400 servidores públicos federais, 376.729 são militares. Só no Ministério da Defesa, dos 401.857 servidores, 395.667 são militares, número maior que o total de servidores do Ministério da Educação (302.938). Para se ter uma ideia do que estes números representam em termos de gastos, a folha de pagamento destes servidores militares do Ministério da Defesa custou aos cofres públicos, em 2017 , R$ 22,6 bilhões.
E isso sem entrar no mérito das “benesses” que o governo brasileiro propicia a empresas multinacionais, como no caso das petroleiras Shell, Chevron, Exxon, Repson e British Petroleum, beneficiadas com isenção de impostos na casa de R$ 1 trilhão para explorarem petróleo e gás no país.
Portanto, quaisquer medidas que visem cortar gastos sem mexer na caixa preta da máquina pública dos três poderes não podem ser consideradas medidas razoáveis, eficientes ou justas.
Frederico Rochaferreira é escritor – especialista em Reabilitação pelo Hospital Albert Einstein, membro da Oxford Philosophical Society