A Câmara dos Deputados se recusou a fornecer cópia de notas fiscais apresentadas por deputados federais para justificar pagamentos de auxílio-moradia. Além do salário de R$ R$ 33.763,00, os parlamentares possuem direito a ocupar um apartamento funcional ou então a receber auxílio-moradia no valor de R$ 4.253,00 mensalmente.
A Câmara dispõe de 432 apartamentos, mas alguns estão interditados por não estarem em condições de uso. O auxílio-moradia é pago aos deputados, na vigência do mandato, que não ocupam esses imóveis e precisam arcar com custos de moradia em Brasília, longe de suas residências.
O valor do auxílio pode ser pago por meio de “reembolso” e “em espécie”. Quando é pago por reembolso, a comprovação deve ser feita com apresentação de nota fiscal ou de recibo emitido pelo locador do imóvel utilizado pelo parlamentar.
A coluna solicitou à Câmara dos Deputados em fevereiro notas fiscais de pagamentos de auxílio-moradia. No entanto, a Casa se negou a atender o pedido de cópia das notas alegando que “dados capazes de indicar a moradia dos deputados e seus familiares detêm natureza de informação pessoal, cujo acesso conta com maior proteção legal e impõe responsabilidade ao agente público em caso de divulgação indevida”.
Nos recursos, a coluna ressaltou então que, como dispõe a própria Lei de Acesso à Informação, todos os dados pessoais e de endereço deveriam ser tarjados e os documentos fornecidos com as tarjas. Como prevê a legislação, a regra é que a publicidade prevaleça e que documentos sejam fornecidos mesmo que com tarja de alguns dados.
No entanto, a Câmara também negou os dois recursos apresentados pela coluna. Na resposta ao último recurso, a Primeira-Secretaria da Câmara dos Deputados disse que o “endereço de residência é informação pessoal. Por isso, na ausência de autorização do titular, não pode ser divulgado a terceiros. Tal tratamento alcança toda informação constante nas notas fiscais que possa identificar, direta ou indiretamente, onde o parlamentar e sua família residem, ainda que relativa a empresas”.
A Câmara disse ainda que “após minuciosa análise das notas fiscais apresentadas, não é possível aplicar as tarjas necessárias, para resguardar pontualmente a informação pessoal, sem risco de violação à proteção legal de que goza o titular dos dados”. Com isso, foi informado que seria “providenciada certidão declarando a efetiva entrega da documentação exigida para ressarcimento”. Essa certidão, porém, não foi apresentada mesmo depois de 15 dias da última resposta.
Ilegalidade manifesta
Para Gabriela Ferreira, coordenadora de Acesso à Informação e Transparência da organização Artigo 19, a negativa da Câmara em fornecer os dados é uma ilegalidade manifesta e os documentos deveriam ser públicos.
“A negativa é ilegal, viola frontalmente as previsões da Lei de Acesso à Informação. A restrição de informações de acordo com os critérios da LAI é exceção, para casos específicos previstos na própria norma”, explicou Ferreira.
Para ela, a alegação de conter dados pessoais é “facilmente sobreposta pelas definições legais de que conteúdos são sigilosos e que conteúdos não o são, além das possibilidades de tarja sobre possíveis informações sensíveis, como a jornalista mencionou em seu pedido”. Ferreira aponta que, justamente, parte da atividade jornalística é a “aferição de transparência nos gastos públicos e, neste caso, não há amparo legal para a negativa de acesso”.
Nessa legislatura, 369 deputados ocupam imóveis funcionais. Além disso, 76 recebem auxílio-moradia mediante apresentação de recibos e outros 60 recebem em dinheiro. Outros 41 não estão utilizando nenhum dos benefícios, mas alguns estão afastados de seus cargos.
A coluna estuda medidas contra a decisão e para garantir a publicidade dos documentos.
Caso no Senado
Em 2019, o Senado se recusou a tornar públicas as notas fiscais usadas para reembolso de verbas de gabinete. O caso foi revelado pelo repórter Patrik Camporez, no jornal O Globo.
Na ocasião, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão que integra o Ministério Público Federal, encaminhou um pedido de esclarecimentos ao Senado sobre o sigilo dos documentos de gastos de verbas de gabinete. Em nota, o MPF disse que a “normativa preceitua que as informações referentes às atividades do Estado são públicas, exceto aquelas expressas na legislação”.
Uma ação popular contra a medida foi proposta no Judiciário e a Mesa Diretora do Senado recuou e tornou públicas as notas fiscais emitidas a partir do segundo semestre de 2019. No entanto, a decisão deu publicidade apenas às notas posteriores ao novo ato da direção da Casa. Todos os comprovantes de pagamentos anteriores continuam em sigilo. Mesmo assim, o Judiciário entendeu que a ação popular perdeu o efeito.
Juliana Dal Piva – UOL