Em paralelo à proposta de reforma da Previdência (PEC 6/2019), o Congresso também analisa o Projeto de Lei (PL) 1.645/2019, que atualiza o Sistema de Proteção Social dos Militares das Forças Armadas, a previdência dos militares.
O texto aumenta de 30 para 35 anos o tempo de serviço necessário para que os servidores militares da Marinha, Exército e Aeronáutica passem à inatividade (eles não se aposentam, se tornam inativos). Também aumenta as idades limites para essa condição, dependendo dos postos hierárquicos.
Pela proposta, a alíquota de contribuição ao sistema sobe de 7,5% para 10,5%, escalonada em três anos a partir de 2020. Pessoas que hoje são isentas da contribuição passam a pagá-la, como os pensionistas e os estudantes das escolas preparatórias e de graduação das Forças Armadas. Segundo os cálculos do Ministério da Defesa, as medidas levarão a uma economia de R$ 97,3 bilhões em dez anos.
O ponto de conflito do texto é que ele também reestrutura a carreira militar, com reajustes pontuais de soldos e criação ou modificação de adicionais e ajudas de custo, totalizando uma despesa de R$ 86,8 bilhões em uma década. Feitas as contas, a economia efetiva com o sistema dos militares seria de apenas R$ 10,5 bilhões nesse prazo. Os senadores ainda estão cautelosos quanto ao teor do projeto.
— As informações estão como peças de quebra-cabeça que estão sendo encaixadas ainda e tem peças que não encaixam. E eu tenho que ter cuidado para montar esse quebra-cabeça até quando chegar a votação no Senado, para decidir o que é melhor para a população, para o país, e não para uma classe só —disse Styvenson Valentim (Pode-RN).
Já a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) critica os dispositivos que elevam os adicionais para os militares mais graduados, em detrimento dos de patentes mais baixas.
— Não houve um olhar prioritário para a sociedade, houve um olhar, no meu entendimento, privilegiado para os oficiais em relação à questão militar em todo o Brasil. Isso é muito ruim, porque o governo perde o seu discurso [de ajuste] e mostra claramente que não é uma preocupação geral — disse à reportagem.
Na opinião do diretor geral da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, a poupança prevista com a proposta não é grande, em comparação com o R$ 1 trilhão que se espera economizar na reforma dos servidores civis e dos vinculados ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS). No entanto, não deve ser desprezada.
— Todo efeito fiscal é relevante. Se estamos com deficit brutal como estamos hoje e com a dívida crescendo sem parar, qualquer centavo é importante —defendeu Salto em audiência pública feita em abril para debater o assunto.
Despesa federal
A PEC 6/2019 transfere a competência de legislar sobre policiais e bombeiros militares, que são servidores estaduais, para o Executivo. A previsão é de que uma lei complementar defina futuramente as regras para os benefícios dos militares estaduais. Sem isso, as regras para os militares federais, como definidas pelo PL 1.645, serão estendidas para os estaduais ainda que haja conflito com o que já se pratica hoje, como a cobrança de alíquotas previdenciárias diferenciadas.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) é crítico dessa uniformização.
— É preciso que a gente desentranhe [essa parte] do projeto para garantir que os estados, dentro de suas autonomias, dentro da autonomia federativa, possam encontrar caminhos que caibam dentro de suas equações fiscais específicas, senão a gente compromete a condição fiscal dos estados.
A proposta também trata dos militares temporários, hoje não mencionados no Estatuto dos Militares (Lei 6.880, de 1980). Pelo texto, a categoria não adquire estabilidade e passa para a reserva não remunerada das Forças Armadas após serem desligados do serviço ativo.
Viúvas
O PL 1.645/2019 esclarece que o custo com os proventos de militares ativos e inativos será de responsabilidade da União, pagos com recursos do Tesouro Nacional. Hoje os pensionistas militares não contribuem, ao contrário de servidores, aposentados e pensionistas civis, que arcam, junto com os servidores ativos, com o financiamento de seus próprios benefícios.
O projeto inova ao estabelecer a contribuição dos pensionistas dos militares. Ou seja, a exemplo dos civis, viúvos e viúvas, pais e filhos pensionistas de militares terão descontados dos benefícios os mesmos 10,5% relativos ao sistema de proteção.
Outra mudança é que estudantes das escolas de formação e militares de baixa patente (soldados, cabos, taifeiros e marinheiros, por exemplo) em início de carreira também passarão a ser contribuintes. Hoje, os primeiros são isentos e os últimos não pagam nada nos dois primeiros anos de incorporação.
O texto também reduz o número de possíveis dependentes de militares de 18 (pais e netos, irmãos, cunhados ou sobrinhos menores ou inválidos e irmãs, cunhadas e sobrinhas solteiras ou viúvas sem renda) para apenas cinco: cônjuge ou companheiro, filho ou enteado até 21 anos ou até 24 anos se universitário e sem renda, pai e mãe, tutelado ou curatelado inválido ou menor de 18 anos sem rendimentos que viva sob sua guarda judicial. Esses dependentes estão aptos a receber, por exemplo, assistência hospitalar ou as reparações econômicas de anistiados políticos.
Os dependentes são diferentes dos pensionistas, chamados de beneficiários, que continuam os mesmos no projeto: o cônjuge ou companheiro, o beneficiário de pensão alimentícia, filhos, enteados e menores sob guarda judicial até 21 anos ou até 24 anos, se universitário ou inválido, enquanto durar a invalidez.
A proposta mantém a regra de que, na ausência dos pensionistas prioritários, podem receber o benefício pais que comprovem dependência econômica; irmãos órfãos até 21 ou 24 anos se universitário ou inválido, enquanto ela durar; pessoas que vivam sob a dependência econômica do militar sejam elas menores de 21 anos, inválidas enquanto durar a invalidez ou maiores de 60 anos.
O projeto cria ainda taxa adicional a ser descontada dos benefícios concedidos às filhas dos militares que eram ativos na época da edição da Medida Provisória 2.215/2001, que alterou a Lei de Pensões Militares (Lei 3.765, de 1960). A MP permitiu que eles, se pagassem um adicional de 1,5% sobre seus soldos, mantivessem suas filhas, independentemente de idade e estado civil como beneficiárias de pensão. A nova taxa incidirá sobre as pensões pagas.
Tempo de serviço
Hoje, para um militar chegar à reserva, são necessários 30 anos de atividade, para homens e mulheres. Caso o projeto seja aprovado, serão exigidos 35 anos, sendo pelo menos 30 de exercício em atividades de natureza militar (para os que estudaram nas escolas de formação ou centros de graduação) e 25 para os demais oficiais.
Pela regra atual, para requerer a inatividade, podem ser somados como “anos de serviço militar” o tempo de estudo nas escolas de formação e graduação, ainda que, como alunos, não tenham contribuído para a previdência militar e tenham recebido bolsas das Forças Armadas. O projeto inova ao impor o desconto como forma de diminuir a discrepância entre tempo de serviço contabilizado e o efetivo tempo de contribuição.
Reserva e reforma
A diferença entre um oficial “da reserva” e um “reformado” é que o primeiro precisa estar disponível para ser reincorporado ao serviço ativo das Forças Armadas em situações como estado de guerra e estado de sítio. Entre civis, não há essa previsão. O militar na reserva, quando atinge a idade limite, é então reformado, considerado definitivamente afastado do serviço militar.
O texto aumenta as idades limites de transferência para a reserva para todos os postos e graduações. Atualmente, para entrar na reserva, a idade do militar varia de 44 a 66 anos e, com a aprovação do projeto, passaria a ser de 50 a 70 anos. A transferência da reserva para a reforma também seria adiada. Em média, a idade para o militar ser reformado passaria de 56 a 58 anos para 68 a 75 anos, idade da aposentadoria compulsória de servidores civis.
Integralidade e paridade
Ao contrário do regime para servidores civis, que já não têm paridade e integralidade desde 2004, o texto mantém aos militares da reserva e seus pensionistas o direito de receber o último salário da ativa (integralidade) e de ter o mesmo percentual de reajuste concedidos aos da ativa (paridade).
Regra de Transição
Todos os militares que já estão na carreira terão o direito de cumprir regras de transição entre a legislação atual e a futura para se aposentar. Para isso, bastará que trabalhem alguns anos a mais, pagando o chamado “pedágio”, um acréscimo de 17% no tempo de serviço que falta para chegar à reserva. Quem foi recentemente incorporado e trabalhar 35 anos, em vez dos atuais 30, ainda irá para a inatividade pelas regras da lei em vigor, mesmo que o PL 1.645/2019 venha a ser aprovado.
Um militar com 14 anos de serviços prestados, que hoje está a 16 anos da aposentadoria, por exemplo, precisará trabalhar 2 anos e 7 meses a mais (17% de 16 anos) para passar à reserva, totalizando 18 anos e 7 meses. As regras para a transição dos militares são mais amenas que as estabelecidas para servidores civis, na PEC 6/2019, que, caso a proposta seja aprovada, só terão a opção de pagar pedágio de 50% do tempo restante para se aposentar se estiverem a dois anos de se aposentar quando a reforma for promulgada.
Para o senador Rogério Carvalho, é preciso considerar as particularidades do trabalho militar, pois são determinados pela carreira em vários pontos, como não poder ter residência fixa. Mas também é preciso recordar a incapacidade do Estado de bancar benefícios dispendiosos no futuro e, por isso, o senador defende uma solução mais equilibrada para a proposta.
— O que precisa é encontrar um ponto de equilíbrio do que foi feito em 2012 [com os civis], aquela reforma com a criação dos fundos de previdência. É preciso encontrar um meio termo entre a proposta que os militares estão apresentando e o que tem sido feito para garantir aos servidores civis da União, do Ministério Público, do Judiciário a integralidade dos seus vencimentos, compatível com a ativa. Que a gente possa encontrar caminhos que também garantam isso aos militares — disse.
Adicionais
A remuneração do militar é composta de soldo, gratificações e adicionais. Na reestruturação da carreira proposta pelo PL 1.645, cria-se o Adicional de Disponibilidade Militar, pela dedicação exclusiva e a disponibilidade permanente. O percentual é crescente conforme os postos ou graduações da hierarquia militar e varia de 5% a 41% do soldo. A IFI estima que esse adicional custará R$ 2,5 bilhões em um ano.
A proposta também amplia o Adicional de Habilitação, pago por cursos que o militar tenha feito durante a carreira. Em alguns casos, esse adicional mais que dobra, como o pago aos altos estudos categoria I (preparo para cargos de comando e estado-maior): hoje representa 30% do soldo e sobe gradualmente até 2023, chegando a 73%.
A ajuda de custo para a transferência para a inatividade também será reajustada. Hoje, equivale a quatro vezes o valor da remuneração do militar e saltará para oito vezes.
Há ainda a gratificação de representação, de 10% do soldo, para oficias generais, oficiais superiores, intermediários ou subalternos em cargo de comando, direção ou chefia, e de 2% para participantes em viagens de representação, atividade de instrução ou que esteja às ordens de autoridade estrangeira no país.
O projeto prevê uma redução de 10% do efetivo das Forças Armadas no período de 10 anos.(Agência Senado