quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Prazo para produzir vacinas no Brasil pode ser "impossível"

Enfermeira segura candidata a vacina da Sinovac antes de aplicação em voluntário no Instituto Emílio Ribas, em São Paulo
30/07/2020
REUTERS/Amanda Perobelli

Em meio a uma corrida mundial por vacinas contra a covid-19, o Brasil se posicionou rapidamente para ter acesso a dois imunizantes e à transferência de tecnologia para produzi-los localmente, mas a projeção de que o País poderá fabricar do zero e distribuir vacinas até meados do próximo ano parece ser excessivamente otimista, na avaliação de especialistas ouvidos pela Reuters.

Apesar da reconhecida capacidade brasileira em produção de vacinas - o País é praticamente autossuficiente na maior parte das vacinas usadas no Sistema Único de Saúde (SUS) - três especialistas, sendo dois ex-presidentes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e um ex-ministro da Saúde, afirmaram que, mesmo quando a tecnologia é conhecida, uma transferência nesse porte leva, na melhor das hipóteses, dois anos para ser feita. O mais comum, entre três e cinco anos.

A promessa do governo federal de investir quase R$ 2 bilhões para a produção nacional pode acelerar o processo, mas dificilmente o suficiente para alcançar o calendário divulgado pelas autoridades, disseram as fontes.

Com acordos separados negociados pelo Ministério da Saúde, com o laboratório britânico AstraZeneca, e pelo governo de São Paulo, com a chinesa Sinovac, o País deve obter o Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para finalizar localmente duas vacinas diferentes e aplicá-las na população já no início do ano que vem, caso se provem eficazes.

No entanto, a prometida produção local ainda no primeiro semestre, que daria independência ao País, pode não sair como anunciado.

"Isso é impossível", disse José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e pesquisador aposentado da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "Produzir de que maneira? Todas as etapas tecnológicas no Brasil é impossível. Isso demora um período grande. Pode ser que se consiga acelerar, mas não tanto."

Tanto no Instituto Butantan, do governo de São Paulo, que fechou acordo para testar e produzir a vacina da Sinovac, e na Fiocruz, ligada ao governo federal, que assinou um pré-acordo para produzir a vacina da AstraZeneca com tecnologia desenvolvida pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, as estimativas de produção local foram fortemente aceleradas em relação ao cronograma normal.

Marco Krieger, vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde da Fiocruz, disse à Reuters que a intenção é tentar fazer essa transferência de tecnologia em até um ano. "O processo de transferência de tecnologia de uma vacina normalmente demora entre 5 e 10 anos, e a gente está procurando fazer isso em menos de um ano", disse à Reuters.