terça-feira, 25 de agosto de 2020

Por que a Austrália está sendo pressionada a parar de prender crianças de 10 anos

A idade mínima de responsabilidade criminal deve ser 14 anos, orienta a ONU

Um movimento crescente liderado por uma coalizão de advogados, médicos e ativistas pelos direitos dos aborígines está pressionando autoridades da Austrália para que o país aumente a idade de responsabilidade criminal de 10 para pelo menos 14 anos.

No mês passado, as principais autoridades de Justiça do país adiaram para 2021 uma decisão há muito esperada sobre o aumento da idade penal, sob o argumento de que é preciso mais tempo para explorar alternativas ao encarceramento.

Mas na quinta-feira (20/8), o Território da Capital da Austrália (ACT), onde fica a capital do país, Camberra, votou para aumentar a idade para 14 anos. Foi a primeira jurisdição a avançar para mudar a lei, um passo que ativistas esperam que o resto do país siga.

A idade mínima para responsabilização penal é baixa em comparação com muitos países.

Na Austrália, uma criança de apenas 10 anos pode ser presa, acusada, levada a tribunal e condenada.

A Alemanha, por exemplo, fixa a idade de responsabilidade criminal em 14 anos, enquanto a idade é 16 em Portugal e 18 em Luxemburgo.

A Inglaterra e o País de Gales também estabeleceram uma idade mínima de 10 anos, mas, como a Austrália, estão aquém dos padrões recomendados pela ONU.

No Brasil, um adolescente a partir dos 12 anos pode ser ser responsabilizada por alguma infração penal. Neste caso, ele pode cumprir medidas socioeducativas, como liberdade assistida ou restrição de liberdade — essa última por um período máximo de três anos. Porém, essas medidas são cumpridas em entidades de ressocialização, como a Fundação Casa, em São Paulo. Apenas depois dos 18 anos de idade uma pessoa pode ser julgada e condenada à pena de prisão em um presídio comum.

Em 2019, o Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança recomendou que todos os países aumentassem a idade mínima de responsabilidade criminal para pelo menos 14 anos.
Australianos indígenas são afetados de forma desproporcional

Havia quase 600 crianças e adolescentes com idades entre 10 e 13 anos detidos na Austrália entre 2018 e 2019, segundo dados do Instituto Australiano de Saúde e Bem-Estar.

E mais de 65% desse grupo eram aborígenes — que representam apenas 3% da população total da Austrália em todas as faixas etárias.

Outra análise do Conselho Consultivo de Penas de Victoria, publicada neste ano, mostrou que as crianças aborígines são encarceradas em uma taxa 17 vezes maior do que as crianças não indígenas.

No Território do Norte, essa taxa sobe para 43 vezes mais.

Uma pesquisa de julho do centro de estudos Australia Institute e da Change the Record, uma coalizão de justiça liderada por aborígenes, sugeriu que a maioria dos australianos apoiava o aumento da idade de responsabilidade penal para 14 anos ou mais.

No ano passado, a situação chamou a atenção do mundo quando um menino aborígene de 12 anos discursou no Conselho de Direitos Humanos da ONU.

"Quero que os adultos parem de colocar crianças de 10 anos na prisão", disse Dujuan Hoosan, em Genebra, descrevendo suas próprias dificuldades para se adaptar ao sistema escolar australiano e como a educação liderada por aborígenes poderia ajudar a manter as crianças fora da prisão.