sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Com crise e Lava Jato, empreiteiras que restam não dão conta das obras



Operação Lava Jato, burocracia, crise econômica, atrasos em pagamentos e falta de capital de giro das empresas que restam entre interessadas em obras públicas são os motivos para uma escassez de prestadoras de serviços capacitadas para tocar grandes empreitadas. Um exemplo recente foi a desqualificação alegada pela prefeitura de Curitiba a respeito da empresa Terpasul para concluir trechos de obras na Linha Verde Norte. O rompimento unilateral do contrato pela prefeitura com a empreiteira deixou sem prazo para conclusão pelo menos três lotes de obras já paralisadas desde o ano passado. Mas o fenômeno não ocorre apenas em Curitiba e nem sempre pelos mesmos motivos. Somente relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Dilma Rousseff, cerca de 4,7 mil obras estão paradas no País, o que equivale a R$ 135 bilhões de investimentos.
A ausência do chamado “Clube das Empreiteiras” (Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão e UTC Engenharia e outras), as gigantes multinacionais brasileiras flagradas em escândalos de corrupção da Operação Lava Jato, causou evidente mudança no mercado brasileiro nos últimos cinco anos, paralelamente à crise econômica vivida pelo País. “As médias viraram grandes e as pequenas viraram médias”, avalia Carlos Cade, vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscom-PR).
Quando o prefeito Rafael Greca (DEM) anunciou a tentativa de rescisão de contrato com a empresa executora da última etapa das obras da Linha Verde, no trecho entre os bairros Tarumã e Atuba, disse que ela não tinha capital de giro para manter a obra. “Colocaremos ali outras empresas com capacidade financeira para executar as obras. Os valores exigem que as empresas tenham capital de giro relevante”, destacou o prefeito. Antes da decisão, a prefeitura emitiu 144 notificações por descumprimento de prazos. Do conjunto, o trecho mais defasado é o que contempla a elevação do viaduto. As obras iniciadas em novembro de 2015 deveriam ser concluídas em um ano, mas após oito pedidos de prorrogação, foram atrasadas para 7 de novembro de 2019. Para as novas licitações, todos os lotes terão de passar por uma auditoria – trabalho que vai definir, além de um novo cronograma, o quanto as obras serão encarecidas .
Ao paralisar as obras, a justificativa empresa é de que houve erros nos projetos, licitados em 2009, que chegaram a ser apontados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 2017, mas que teriam sido ignorados pela Secretaria de Obras. No relatório, o órgão federal descreveu ter encontrado um “projeto executivo deficiente e desatualizado para a execução da complementação da Linha Verde Norte em função da incompatibilidade dos quantitativos orçados com os verificados em projeto e da necessidade de diversas revisões e atualizações (...)”.
Para o vice-presidente do Sinduscom, empresas como a Odebrecht, por exemplo, estariam melhor preparadas para problemas como os relatados pela Terpasul. “Essas (grandes) se protegem. A Odebrecht se precavia de todas as formas de tudo isso. Tem empresa que ainda não recebeu até hoje (obras de 10 anos atrás). O Maracanã não pagou até hoje, tinha que desapropriar uma área para um shopping, tinha a Casa do Índio que não deixaram demolir, então havia uma quebra de contrato. Mas será que ela (empresa) não sabia e não se preparou contra isso?. Quanto maior a empresa, mais ela vai cobrar. Mais fácil enrolar um pequeno (empresário) que um grande”, ironiza.
As obras estão subfaturadas, coloca. “Hoje tem empresa pegando obra com 40% de desconto. Claro que vai entregar um produto de má qualidade. Capital de giro, quando vai fazer uma obra tem que ter os recursos, mais que o contábil, mas precisa outro recurso. (O poder público) fica três meses sem pagar, quatro meses sem pagar, aí precisa de grandes empresas (como a Odebrecht). Se vai ganhar uma obra e sabe que o órgão vai pagar, entra (na licitação) ‘com 100’ (de preço). Se sei que o órgão á mau pagador, vou cobrar ‘120’, porque é o risco que ela (empresa) assume”, explica.
O fenômeno também é observado em âmbito federal. Empreiteiras de tamanho médio e companhias de capital estrangeiro aumentaram a participação nas licitações de obras públicas, ocupando o espaço aberto pelas grandes companhias. Em janeiro deste ano o Portal da Transparência mostrava uma mudança no perfil do ranking de contratações. Saíram os contratos robustos dominados por grandes conglomerados brasileiros da construção e entraram projetos com valores menores, num sinal de maior pulverização dos recursos entre empreiteiras médias, sobretudo aquelas focadas na área de construção e manutenção de rodovias. São as empresas desse nicho que mais avançaram no ranking de contratações este ano.
Em 2014, quando a Lava-Jato estava no começo, a lista era dominada por gigantes conhecidas do setor, como Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC, Mendes Junior e outras. Agora, figuram nos primeiros lugares empreiteiras como a paulista Ferreira Guedes, a mineira LCM Construção e a paranaense Neovia.