sábado, 9 de março de 2019

Risco de rompimento de barragens de rejeitos aumenta com queda no preço dos minérios



A volatilidade de preços é uma característica intrínseca às commodities, como os minérios de ferro. Nas últimas cinco décadas, por exemplo, esses produtos passaram por diversos ciclos de valorização seguidos por períodos de desvalorização.
Um estudo feito por pesquisadores canadenses, com base na análise de 143 desastres em mineração reportados no mundo entre 1968 e 2009, apontou que há uma correlação entre os ciclos de alta e de baixa dos preços dos minérios no mercado internacional com rompimentos de barragens de rejeitos.
A explicação dos pesquisadores para essa correlação é que, em períodos de elevação dos preços dos minérios, normalmente os procedimentos de licenciamento e de execução da construção de barragens de rejeitos são acelerados em razão da pressão das mineradoras para aproveitar essa fase de bonança. Já em períodos subsequentes de queda no preço dos minérios, há uma pressão, também por parte das empresas, para reduzir os custos operacionais, como os de manutenção e de segurança dessas obras. Em razão disso, há um aumento do risco de rompimentos de barragens nessa fase de baixa de preços tanto em intervalo de tempo como em número.
“Ficou muito claro nesse estudo que há uma correlação entre o ciclo de baixa de preço de minérios, como o cobre, com um aumento no número de rompimentos de barragens de rejeitos”, disse Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), durante um seminário promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), no dia 14 de fevereiro, sobre os desastres de Mariana e Brumadinho.
O evento fez parte das atividades do Projeto Temático “Governança Ambiental da Macrometrópole Paulista face à variabilidade climática” (MacroAmb), apoiado pela FAPESP.
“Apesar de estar em uma região que não é coincidente com a macrometrópole, Brumadinho traz uma temática que é fundamental, que é a discussão sobre a mineração e seus efeitos sobre a sociedade quando não há responsabilização e adequação a normas legais e de segurança”, disse Pedro Roberto Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
Os pesquisadores da UFJF aplicaram o modelo de correlação do ciclo de preço dos minérios com desastres em mineração, desenvolvido pelos pesquisadores canadenses, em um estudo de caso do rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), ocorrido em novembro de 2015.
“Constatamos que esse modelo se aplicou perfeitamente bem para explicar, do ponto de vista da economia mineral, o rompimento da barragem de Fundão”, afirmou Milanez.
Os pesquisadores constataram que o pedido de licenciamento ambiental para construção da barragem foi feito pela Samarco em 2006, no início de um ciclo de alta de preço dos minérios. Em menos de um ano, em 2007, a empresa obteve as licenças prévias e de instalação e, em 2008, a licença de operação da barragem.
“Observamos que a empresa levou menos de dois anos para apresentar o estudo de impacto ambiental e obter a licença de operação da barragem, um período bastante rápido”, afirmou Milanez.
O rompimento da barragem ocorreu justamente no período de baixa da cotação de minérios no mercado internacional. Os pesquisadores também identificaram que a partir de 2012, quando iniciou o último ciclo de queda de preço dos minérios, o número de acidentes de trabalho registrados e relatados pela empresa começou a aumentar. “Isso remete à hipótese de que, nesse período, ocorreram problemas de gestão de segurança na empresa”, estimou Milanez.
Segundo o pesquisador, um inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais, divulgado em 2016, concluiu que a causa do rompimento da barragem de Fundão foi a liquefação – quando um material rígido, no caso o rejeito de minério, passa a se comportar como um fluido em razão da água presente nele. Esse processo também é apontado como a possível causa do rompimento da barragem de Brumadinho.
Entre os fatores que contribuíram para o processo de liquefação da barragem de Fundão o inquérito apontou falhas no monitoramento contínuo do nível da água e da pressão dos poros junto aos rejeitos. Indicou ainda que o monitoramento foi deficiente em virtude do número reduzido de equipamentos instalados.
“O inquérito apontou uma série de problemas operacionais na parte de segurança e de monitoramento da barragem”, afirmou Milanez.
Já no caso do rompimento da barragem 1 da Vale, em Brumadinho, ainda não está clara a correlação entre a variação de preços dos minérios com o desastre. Isso porque, de acordo com o pesquisador, ao contrário da Samarco, que possui uma única mina, a Vale tem muito mais empreendimentos. Isso torna a análise mais complexa e os dados mais difíceis de serem obtidos.
“O que se sabe até agora é que a empresa vinha se recuperando de um alto endividamento e passou por um grande processo de expansão”, afirmou Milanez. “Começou a fazer uma série de desinvestimentos para tentar saldar suas dívidas, estava pagando altos dividendos aos acionistas para recuperar seu valor de mercado e, ao mesmo tempo, a barragem vinha apresentando problemas em seu monitoramento”, disse.
Procurada pela reportagem, a Vale afirmou não estar “concedendo entrevistas individuais no momento, mas conversando com a imprensa por meio de coletivas, dado que a empresa está 100% focada no atendimento aos atingidos pelo rompimento da barragem”.