sábado, 23 de março de 2019

O drama das mulheres de Mianmar vendidas na China e estupradas até engravidarem

Mulheres birmanesas são vendidas para famílias chinesas por US$ 3 mil (R$ 11,7 mil) a US$ 13 mil (R$ 50,5 mil)

Quando acordou, Nang Nu Tsawm já não estava mais em Mianmar. A adolescente de 14 anos havia desmaiado após uma semana trabalhando em uma fábrica de calçados em seu país, emprego que havia aceitado para pagar seus estudos. E, de repente, apareceu no vagão de um trem.

"Não sei quanto dias fiquei desmaiada nem o tempo em que estava no trem. Só via cartazes em chinês e não conseguia entender o que estava escrito. Comecei a chorar", conta ela.

Nang Nu Tsawm acredita ter sido drogada. Ela logo descobriu o motivo: foi levada à China e vendida por US$ 12,7 mil (R$ 49 mil) a uma família para se casar com um rapaz de 15 anos e ter filhos com ele.

A jovem acabou dando à luz uma menina e um menino, e passou cinco anos na China até a polícia, alertada por outro caso de tráfico de mulheres, chegar ao local onde ela morava e a prender por estar no país ilegalmente. Nang Nu Tsawm passou várias semanas sob a custódia de autoridades e, depois, foi deportada. Nunca voltou a ver os filhos.

Sua história é apenas um exemplo destes crimes praticados contra mulheres na fronteira entre a China e Mianmar, revelados pela organização de defesa de direitos humanos Human Rights Watch (HRW) nesta semana.

A rede de tráfico se aproveita da precariedade e da pobreza em que vivem as vítimas no norte de Mianmar e, no lado chinês, do desequilíbrio no número de homens e mulheres gerado pela política do filho único, encerrada apenas recentemente pelo governo da China, segundo a HRW.

O governo de Mianmar compartilhou informações com a organização sobre o tema e realizou diversas reuniões. O Executivo chinês, que já criticou em várias ocasiões o trabalho desta e de outras ONGs da área por considerá-las tendenciosas, não respondeu aos questionamentos feitos pela HRW.
Mulheres são enganadas por parentes ou conhecidos

No relatório "Nos Dê Um Filho e Te Deixamos Ir", a organização descreve uma obscura rede de tráfico de mulheres e meninas para a China, a partir dos Estados de Kachin e Shan, no norte de Mianmar, que foram muito afetados pelo conflito armado entre o governo e guerrilhas de minorias étnicas.

Na China, as vítimas birmanesas são vendidas e submetidas a violência física e psicológica. São encarceradas e estupradas "até que fiquem grávidas". Aquelas que conseguem escapar precisam deixar seus filhos com as famílias chinesas.

Heather Barr, autora principal do relatório, passou três anos investigando o assunto. Ela diz que casamentos forçados ocorrem em muitos países do mundo. Isso a levou a pensar que estes casos seriam mais um exemplo, mas enganou-se.

"É algo muito mais sinistro. A família não busca realmente por uma noiva, mas por um bebê. Isso me impressionou muito", afirma Barr.