quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Cada vez mais pessoas pensam em mudar de profissão, mas não é fácil

Simone Pacheco trocou a advocacia pelo designer de interiores

Empurrados para uma carreira por falta de autoconhecimento, de conhecimento do mercado ou noção do impacto da escolha que estão fazendo na época do vestibular, por exemplo, muitos profissionais buscam alternativas pós-frustração, e mostram que é possível trocar de profissão.
A advogada curitibana Simone Pacheco, de 46 anos, mãe de duas filhas (18 e 9), hoje é design de interiores, especializada em iluminação, uma “light designer”. Vista por ela como “mais leve”, a nova profissão veio após 15 anos de carreira como advogada tributarista. A decisão, admite Simone, tomada aos 38 anos de idade, foi possível em razão do apoio financeiro de seu marido durante pelo menos dois anos até que pudesse organizar uma carta de clientes.
“Sempre o que envolvia decoração de interiores eu amava. Quando nasceu a minha filha, que hoje tem 9 anos, fiz um curso de design de interiores, de luminotécnica. Claro que isso só foi possível porque eu tinha o respaldo financeiro do meu marido na época”, diz.
A psicóloga Adriana Gomes, orientadora de carreira e diretora do site vidaecarreira.com.br, alerta para a necessidade de escolha consciente. “É importante que as pessoas façam um exercício de autoconhecimento. É importante para que as escolhas sejam adequadas a valores da pessoa (não só financeiros), à percepção de valor que a pessoa dá à atividade”, diz.
O principal no momento de decidir pela tomada de outro caminho, segundo a especialista, é quando se tem certeza dos próprios valores e dos obstáculos que serão enfrentados. “Não vai ser fácil. Existem vários motivos que levam as pessoas a ficarem insatisfeitas. A mudança de carreira não é simples, nem fácil, nem agradável. As pessoas pessoas abrem mão de alguns confortos conquistados”, ressalta.
O que quero
Advogada formada em 2017, que estagiou desde o início dos estudos, fez intercâmbio em Portugal, passou na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) antes do diploma e sempre teve boas notas, Maria Luiza Canônico, de 25 anos, decidiu mudar radicalmente ao enfrentar um ano e meio no mercado de trabalho. “Eu trabalho em um hostel. Basicamente eu vou receber o mesmo que eu recebia no emprego anterior. E vou fazer o que eu realmente quero”, diz.
Maria Luiza conta que o ponto de vista sobre as coisas também ajuda. “Como eu fiz um intercâmbio no meio da faculdade, fui para a Europa, e percebi que as pessoas trabalham em outras áreas, como lojista ou qualquer coisa, que elas não tem preconceito lá. As pessoas largam empregos de oito ou mais horas por dia para ter qualidade de vida e isso é normal. Aqui, eu viajei para a Chapada dos Veadeiros e vi que lá era possível fazer isso, por causa do custo de vida. Também viver mais perto da natureza”, conta.
“Longe do caos. Aqui tem salário, VT, VR, trabalhando oito por dia, mas oito horas por dia satisfeita. Eu tenho me identificado muito com outras áreas de estudo. Medicina alternativa, aromaterapia. Comecei estudar antropologia cultural e comecei a me interessar por áreas para além do cognitivo. Tenho mais prazer em aprender com trabalho prático do que cognitivo. Na Chapada eu tive contato com cultura indígena, cultura quilombola. Percebi que lá tem um conhecimento muito rico, também sobre o cerrado, em como transformar o cerrado em remédio, por exemplo. Tudo isso estava me chamando para ir”, conta.
Atitude exige comprometimento
O sucesso, conta a designer Simone Pacheco, mesmo com apoio, não foi fácil. “Quando parei a advogacia tive que fazer uma opção. Quando você começa do zero não consegue em um ano se estabelecer financeiramente. Até porque na prestação de serviço tem que ter uma relação de confiança. O que me ajudou muito, por incrível que pareça, foi o fato de não ser tão nova. O fato de eu já ser advogada, de passar mais confiança. Foi um ponto positivo. Claro, se você já tem filhos, precisa se planejar, ou ter um respaldo financeiro, como do marido. Eu tive meu marido. Ele disse ‘não (desista), em três anos eu seguro’”, diz agradecida. “Meu marido é advogado. Coitado”, brinca. “Ele é superfeliz na profissão dele”, minimiza.
Confiante no resultado, Simone hoje recomenda a quem está frustrado que haja em direção a novos caminhos. “Recomendo, já recomendei, tenho amigas que fizeram isso (‘largaram tudo’). Elas falam que eu tinha razão. Não é um bicho de sete cabeças”, afirma.
O retorno financeiro, para Simone, demorou. “Hoje, sim (dá dinheiro). Depois que estou no mercado há mais ou menos sete anos. Eu trabalho como estivesse brincando, é meu hobby, eu esqueço até de comer. Esqueço da hora, porque é muito envolvente para mim. Hoje em dia eu faria (tudo de novo), tenho facilidade. Hoje em dia para o profissional de qualquer área é importante ter facilidade em se reinventar. Mas eu estou bem feliz. Hoje sou feliz”, conclui.
A psicóloga Adriana Gomes ainda reforça. “Ter o apoio emocional é fundamental para fazer essa transição e claro que o apoio financeiro é altamente desejável. Sempre atendo (como psicóloga) pessoas em processo de mudança de carreira e elas não querem errar. Mas às vezes, por falta de estrutura emocional, elas acabam repetindo o mesmo erro sistematicamente, ou seja, procurando atividade que não tem relação com seus valores”, relata.
Jovens trocam de trabalho logo após a formatura
Além do desemprego, que é a principal causa em se procurar uma nova profissão, as mudanças de rumo passam por diversos outros contextos. Para os mais jovens, mesmo entre os que conseguiram colocação após a formatura, “o pai convence o filho a entrar em uma carreira ou a pessoa é influenciada por algum membro da família e faz a opção de carreira errada”.
Em outros casos, por necessidade econômica e outras forças, uma pessoa acaba seguindo uma determinada carreira profissional para conseguir “ganhar a vida”. De qualquer maneira, a pessoa logo percebe que não se sente realizada com o trabalho, que não é a pessoa certa para essa carreira e começa a procurar uma nova oportunidade, diz a psicóloga Adriana Gomes.
“Eu já trabalhava na área há muito tempo. Já trabalhava como meu pai (advogado). Nunca me identifiquei. Busquei o diploma, me forcei a me formar, me esforcei para alcançar, estudei bastante. Aí entrei no mercado de trabalho. Só que a realidade foi que eu estava trabalhando para empresas, com grande volume, prazos apertados e uma visão que não é a que eu defendo. Fazendo uma advocacia que não é o que se imagina quando se está cursando a faculdade”, conta Maria Luiza Canônico.
Desemprego
No caso da frustração, nunca é tarde para recomeçar, mas com desemprego a dificuldade aumenta. “O fato de ele escolher engenharia não significa que vai ser um bom profissional. (Em caso de demissão) olhar o mercado, importante as pessoas não olharem só o retorno financeiro no curto prazo. Assim como o bom profissional leva tempo para construir uma carreira, o novo também precisa de tempo”, explica a a psicóloga Adriana Gomes. Adriana é autora do livro “Tô perdido! Mudança e gestão da carreira”. Na obra, ela lista as causas da insatisfação, medidas que devem ser tomadas para a mudança de rumo e alertas. “Os resultados financeiros da carreira vêm como consequência. A conquista financeira leva anos, assim como o preparo emocional. Esse apoio financeiro e o apoio emocional é que ajudam a alcançar os objetivos”, diz.