quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Governo volta a tentar criação de voucher para creche, já rejeitado na Câmara, incluindo na MP do novo Bolsa Família

 


Uma proposta na Medida Provisória do “Auxílio Brasil”, o novo Bolsa Família, gerou reação na área educação por abrir caminho para a adoção do voucher para financiamento de matrículas no ensino infantil. Considerado um “jabuti”, termo que nomeia trechos inseridos sem relação direta com o assunto da medida, o “Auxílio Criança Cidadã” deve sofrer resistência da maior parte da bancada da educação no Congresso.

A MP que institui o novo programa social do presidente Jair Bolsonaro apresentada na segunda-feira traz a concessão de recursos para financiar a matrícula de crianças em creches “regulamentadas ou autorizadas”. O texto prevê que essas creches assinem termo de adesão que indicará os prazos e condições para recebimento do valor para “o custeio parcial ou integral das mensalidades”.

O texto não deixa claro se os valores serão transferidos aos pais, o que se assemelha à concessão de vouchers, um cupom para contratação de serviços na iniciativa privada; ou por transferência às escolas, num modelo semelhante às “charter schools” dos Estados Unidos, estabelecimentos privados que recebem financiamento público para atender crianças de baixa renda. Mas a redação da exposição de motivos do projeto, assinada por quatro ministérios (Educação, Agricultura, Cidadania e Ciência), traz a afirmação que os recursos serão pagos “diretamente às creches”.

— Nas análises da Frente da Educação, é um modelo de voucher. É como se o Estado brasileiro abrisse mão de educar seus cidadãos na fase mais importante, que é a infância — critica o deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação — Depois de um estudo mais apurado da MP, vamos focar nesse assunto para ver se conseguimos corrigir o texto ou se vamos reprová-la integralmente.

Na tramitação do novo Fundeb, aprovado em 2020, a proposta do Executivo tentou reservar recursos do fundo, principal fonte de financiamento da educação básica, e viabilizar o voucher para creches. A proposta não prosperou. Na época, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) também apresentou uma emenda para permitir que estados e municípios pudessem “converter parte dos recursos para financiar o ensino público em instituições privadas com ou sem fins lucrativos”. A medida também foi derrubada.

Um dos coordenadores da Frente Parlamentar Mista da Educação, Mitraud afirmou que é a favor do conceito proposto pelo governo, mas ponderou que depende da maneira como for detalhada a proposta.

— Temos de entender o modelo, porque já vimos programas do governo onde o desenho não foi bem feito — afirmou.

Titular da Comissão de Educação e também coordenador da Frente, o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) apresentará uma emenda à MP para excluir o Auxílio Criança Cidadã e ampliar o acesso à creche por meio do programa Brasil Carinhoso, criado em 2012 para transferir recursos aos municípios e ao Distrito Federal para custear a educação infantil.

— O que defendo é que a gente aumente vaga em creche e priorize crianças do Bolsa Família. Vindo desse governo, sabemos que esse programa não tem escala. O governo vai piorar a qualidade (da educação infantil), porque não há como fazer esse controle, e não vai resolver o problema — criticou.

Uma análise do Todos Pela Educação sobre o modelo de financiamento por voucher ou “charter” concluiu que há poucas evidências sobre o sucesso dessas políticas, e que “casos que funcionam costumam ser exceções em contextos específicos”. A organização diz ainda que esses modelos precisam ser testados antes de serem financiadas em larga escala, destacando que há outras iniciativas com evidências mais consistentes para melhorar a educação.

O GLOBO questionou o Ministério da Educação sobre o tema, mas não obteve resposta.

Modelo liberal

No modelo original de voucher, do economista americano liberal Milton Friedman na década de 1950, o poder público repassa um valor às famílias e elas escolhem sua escola de preferência. Chile, Colômbia, Austrália, Suécia e 15 estados americanos usam variações do sistema.

Nos EUA, há um modelo diferente por estado. Alguns descontam, como no Brasil, os gastos com educação no Imposto de Renda. No entanto, esse abatimento chega a 75% do valor pago. Outros dão vouchers diretamente às famílias. Em 2020, são 538 mil alunos financiados por alguma dessas formas — menos de 1% dos estudantes americanos. Os valores ficam entre R$ 8,3 mil e R$ 37 mil anuais.

No Brasil, um aluno em escola pública custa entre R$ 4,7 mil e R$ 6,6 mil na creche, modalidade com o maior custo por estudante .

Porto Alegre, de 2016 a 2017, e Piracicaba (SP), de 2017 a 2018, pagaram por vagas em escolas privadas sem fins lucrativos. Mas os pais não podiam escolher as unidades.

O Globo