Cientistas anunciaram a descoberta de mais dois tipos de coronavírus capazes de infectar seres humanos. O primeiro é semelhante aos coronavírus que infectam cães e foi identificado em amostras de oito crianças internadas com pneumonia na Malásia, em 2017 — todas elas se recuperaram. O segundo supostamente passou de porcos para seres humanos há muitos anos, e foi detectado no Haiti.
Não existe qualquer indício que esses coronavírus possam ser transmitidos de pessoa para pessoa e tenham potencial de causar pandemia. As infecções que provocaram parecem ter sido casos isolados de pessoas contaminadas a partir do contato com animais. Porém, os estudos reacendem o alerta de que os coronavírus representam uma grave ameaça de saúde pública, que precisa ser intensamente monitorada.
Os novos coronavirus foram descritos em estudos diferentes, mas as descobertas repercutiram nas duas maiores revistas científicas do mundo, a Science e a Nature. Existem dezenas de coronavírus conhecidos em animais, mas até agora se conhecia apenas sete capazes de infectar seres humanos, o mais recente e o pior deles, o Sars-CoV-2, causador da pandemia de Covid-19.
À Science, o virologista Stanley Perlman, da Universidade de Iowa e que não participou de nenhum dos novos estudos, disse que “quanto mais procurarmos, mais vamos encontrar coronavírus rompendo a barreira das espécies”.
O primeiro estudo, publicado na revista Clinical Infectious Diseases, traz o sequenciamento do genoma de um coronavírus identificado em amostras de oito crianças internadas com pneumonia na Malásia entre 2017 e 2018. Os casos foram detectados em meio a um total de 301 pessoas internadas com pneumonia.
O vírus foi identificado por meio de um exame desenvolvido para detectar sequencias genéticas de coronavírus. O sequenciamento revelou um vírus quimérico, com genes predominantemente de dois coronavírus caninos, mas também sequencias genéticas de vírus de gatos e de porcos.
Segundo a Nature, essa é a primeira vez que um coronavírus canino é encontrado em pessoas com pneumonia. O novo vírus foi chamado provisoriamente de de CCoV-HuPn-2018. Embora todas as crianças tivessem pneumonia, não se pode afirmar até o momento que o novo vírus foi a causa da doença.
A principal autora do estudo, Anastasia Vlasova, da Universidade Estadual de Ohio, nos EUA, disse que diferentemente do Sars-CoV-2 e dos demais coronavírus humanos, não existem indícios de que o CCoV-HuPn-2018 está bem adaptado a seres humanos. Mas ela observa que talvez infecções humanas por coronavírus caninos sejam mais comuns do que se pensava e só tenham sido encontradas agora devido à intensificação das pesquisas com a pandemia.
Estudioso do conceito de Saúde Única, segundo o qual é impossível dissociar a saúde humana da animal, o cientista Alexander Biondo, do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que novas descobertas como essas devem ocorrer. Biondo é um dos poucos cientistas brasileiros a investigar a Covid-19 em pets e o grupo dele foi o primeiro a identificar casos de Sars-CoV-2 em cães e gatos no Brasil.
— Estamos mais “sensibilizados” a novas espécies de coronavírus (e outros patógenos) depois da pandemia. O que parecia ficção científica se tornou uma triste realidade: o mundo parado há mais de um ano por conta de um único patógeno. Daqui para frente, Saúde Única, que era um conceito, vira uma ferramenta — alerta.
Coronavírus de origem suína
No segundo estudo, este da Universidade da Flórida e por enquanto apenas em preprint na medRxiv (o que significa que não passou pela revisão por outros cientistas), pesquisadores relatam a descoberta de um coronavírus de origem suína em três crianças do Haiti. As crianças adoeceram com quadro semelhante à gripe. Os casos ocorreram entre 2014 e 2015.
Na quinta-feira, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou a criação de um Painel Internacional de Especialistas em Saúde Única. Para cientistas, já chega com atraso.
Também estudioso de zoonoses — doenças que tiveram origem em animais — o Scott Weese, da Universidade de Guelph, no Canadá, afirma que as descobertas são um alerta, mas que esses novos patógenos especificamente não parecem trazer risco de espalhamento.
— Novos coronavirus são preocupantes. Veremos mais e mais vírus emergindo de animais para pessoas, alguns deles com potencial pandêmico. Mas não acho que seja o caso agora — afirma.
Segundo ele, quanto mais desequilíbrio ambiental maior o risco de emergência de vírus.
— Devemos tomar a notícia como um alerta sobre as ameaças que nos rondam. Precisamos estar preparados, vigilantes e tratar nosso planeta com mais respeito — destaca Weese, numa comunicação para cientistas.
O Globo