domingo, 14 de junho de 2020

Guedes diz ter interferido na Receita para barrar exportação de respiradores



O ministro da Economia, Paulo Guedes, relatou nesta sexta-feira (12) a representantes dos setores de comércio e serviço ter atuado “extracampo” para fazer um bloqueiro informal à exportação de ventiladores pulmonares e outros insumos de combate à Covid-19 a países como Paraguai, Itália e Macedônia do Norte.

A operação, vista com restrições pelo Ministério das Relações Exteriores, segundo ele, foi feita de forma discreta, porque o governo não podia simplesmente proibir as exportações.

Em reunião com entidades empresariais, cujo áudio foi obtido pela Folha, Guedes contou que foi montada uma “operação tartaruga” na Receita Federal para impedir a venda de produtos que pudessem faltar para pacientes brasileiros, mesmo tratando-se de contratos fechados legalmente e juridicamente válidos.

“Trabalhamos muito em tentar aumentar a produção dos ventiladores pulmonares. E aí eu fiz uma medida extracampo porque, na mesma hora, Paraguai… todo mundo pedindo ventilador, máscara… Macedônia, Itália… E aí eu me lembro que liguei para a Receita Federal e falei: ‘Olha, o ministro da Saúde [à época Luiz Henrique Mandetta] disse que os brasileiros vão morrer por falta de ventilador pulmonar, eu não preciso falar mais nada’. Aí na mesma hora a Receita travou uma exportação aqui, travou outra ali, travou outra ali”, relatou o ministro na reunião.

“Então, o negócio foi dramático. Isso aconteceu nesse nível, mas nós fizemos muito discretamente e não foi um negócio assim de ‘não pode exportar’, porque nós não poderíamos fazer isso. O contrato foi fechado legalmente, juridicamente, pode mandar… Mas faz uma operação tartaruga nisso”, concluiu o ministro.

Guedes justificou que foi cauteloso nos procedimentos porque o Brasil está em processo de assinatura de acordo com a União Europeia e tenta entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico). Restrições a exportações já contratadas poderiam gerar atritos entre países.

Com a pandemia do novo coronavírus, abriu-se uma corrida nos mercados internacionais por itens de proteção individual e por outros insumos para o combate à doença, o que deixou vários países sem conseguir acessar esse material. Máscaras clínicas e ventiladores pulmonares estão entre os itens mais demandados.

O Brasil passou a adotar normas para restringir vendas a outros países em meados de março, quando foi criada uma licença especial de exportação em razão da pandemia. Mais adiante, no fim de abril, foi promulgada uma lei que proibiu a exportação de produtos relacionados ao enfrentamento do vírus enquanto durar a emergência sanitária.

A fala de Guedes, no entanto, indica que o governo fez gestões mesmo antes de essas normas estarem em vigor. Ainda de acordo com o relato de Guedes obtido pela Folha, países que fizeram compras de itens como máscara e ventiladores pediram ao Itamaraty a liberação de suas compras.

“Aí os governos pediam ao nosso ministro das Relações Exteriores [Ernesto Araújo], aí o ministro ligava para mim e eu ligava para o presidente [Jair Bolsonaro]. Falava: ‘Presidente, tem tanto aqui, tal país está pedindo tanto, manda ou não manda? O senhor decide, e eu não quero nem saber qual a decisão. Eu só preciso chamar atenção porque o ministro da Saúde disse que nós vamos morrer por falta disso’”, afirma.

“E Relações Exteriores está querendo mandar o negócio lá para fora porque não quer ficar mal. Esse é um problema que o senhor tem que resolver, o presidente é que resolve. Não é o ministro da Economia que vai decidir isso, mas pelo menos eu vou segurar até dar a ordem para mandar”, continua Guedes.

De acordo com interlocutores no governo ouvidos pela Folha, no início da crise houve ao menos um caso de tentativa de exportação de insumos anti-covid para um terceiro país que demorou mais do que o habitual e acabou não ocorrendo.

Segundo relatos, uma compra do Paraguai ficou retida no Brasil até que a norma criando a licença especial de exportação fosse publicada, quando a venda não foi concretizada sob o argumento de que faltava o novo documento.

A Folha procurou o Ministério das Relações Exteriores, mas não obteve resposta. O Ministério da Economia disse que não vai comentar.

FolhaPress