domingo, 19 de dezembro de 2021

Fome aumenta e moradores dormem ao relento na fila dos ossos no MT

 


Foi por volta das 3h da manhã que o idoso Alonso Egydio, 63 anos, chegou ao Atacadão da Carne, na periferia de Cuiabá, Mato Grosso, em busca de um saco com quase 3 quilos de ossos que sobram da desossa de boi.

No Estado que mais produz e exporta carne no Brasil, pessoas dormem ao relento sem saber o que irão comer pelos próximos dias.

Sem emprego por conta da idade avançada e do problema na coluna, Alonso Egydio decidiu arriscar a própria saúde e ir até o açougue.

Na ocasião, conseguiu também a doação de uma cesta básica e panetone, que segundo ele, irão alimentá-lo por um mês, já que vive sozinho desde que perdeu a esposa para um câncer, há dois anos.

o número de pessoas em busca de ajuda no estabelecimento vem aumentando a cada dia. Atualmente, um grupo tem acampado em frente ao açougue para garantir a doação das sobras de boi ou de uma cesta básica, que é feita ao menos uma vez no mês, a partir da ajuda de entidades beneficentes.

A proprietária do Atacadão da Carne, Samara Rodrigues de Oliveira, confirma que a procura pelos ossos aumentou. “Eu sofro muito, principalmente com o que eles estão fazendo ali. Eu peço por favor para que não durmam ali, mas eles vêm. [...] Eles enfrentam sol, chuva e frio”, conta.

Em uma das situações, já em casa após um dia de trabalho, Samara recebeu uma foto das pessoas que iriam dormir na fila para pegar os ossos no dia seguinte e ficou bastante abalada. “Eu comecei a entrar em desespero”, lembra.

Desde a fundação do açougue há dez anos, Samara afirma que fazia doações aleatórias. No entanto, com a pandemia, houve aumento significativo. As doações eram feitas três vezes na semana. Agora, Samara mantém todas segundas e quintas-feiras por conta do aumento na procura pelos ossos e por causa da logística e toda mobilização envolvida.

“Colocamos essa estratégia, mas vem aumentando o número de pessoas. Aqui tem pessoas de todos os bairros, tem de Várzea Grande [cidade vizinha], Pedra 90 [bairro localizado a 18 quilômetros], tem muita gente e um vai falando para o outro...”, conta.

Na mesma região onde está localizado o Atacadão da Carne, açougues vendem por R$ 10 o quilo do osso. Enquanto isso, a empresária doa cerca 1.500 kg para as incontáveis pessoas que passam ali. Ao mês, as doações ultrapassam oito toneladas. Se vendesse os ossos pelo mesmo preço da concorrência, Samara estaria lucrando quase R$ 100 mil.

“Não é fácil, eu dependo das minhas vendas que não está lá essas coisas, muito imposto. O que fizemos? Diminuímos os dias, agora é segunda e quinta, mas oscila muito. Quando não tem ossinho, eu pego carne escondido do meu marido e dou. Ou também completo com frango, só não consigo deixar ninguém sair daqui sem alguma coisa”, revelou, aos risos.

Foi o que aconteceu com o Odelo, 62, e Maria, 61. Eles são casados há mais de 30 anos, estão com vários problemas de saúde, não trabalham e não tem nenhum tipo de auxílio financeiro.

O casal soube da doação e foi pedindo carona em ônibus públicos até conseguirem chegar ao bairro CPA 2 por volta das 10h. Depois de muito sufoco, souberam que as entregas estavam ao fim. “Disseram que não tinha mais, viemos de muito longe, da região da Ponte de Ferro...”, lamentou.