Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) não decide sobre a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal, um mercado paralelo de “maconha legalizada” para uso recreativo tem se desenvolvido no país.
A prática se dá por meio de uma brecha na norma da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que tem liberado a importação de flores de maconha para fins medicinais.
Com o objetivo de testar o processo de importação, e de porte de uma prescrição médica para uso medicinal, a reportagem da Folha de S. Paulo obteve na Anvisa a liberação de importação de flor, além do óleo de CBD (canabidiol), substância existente na erva e que tem sido utilizada de forma terapêutica.
A reportagem adquiriu e recebeu 20 gramas de flores da maconha industrializada. Especialistas apontam que ela tem alto teor de CBD, mas baixa quantidade de THC, princípio ativo da erva que dá o “barato” buscado por usuários recreativos.
O processo todo, desde a consulta, autorização da Anvisa, compra, chegada do produto no Brasil, liberação da agência e entrega na residência indicada durou menos de 30 dias.
Essa importação é legal, desde que tenha finalidade medicinal –que é o caso da aquisição feita pela reportagem, para tratamento de ansiedade.
Anvisa reconhece o problema
Há relatos reconhecidos pela própria Anvisa, porém, de que usuários recreativos têm conseguido o produto mediante simulação de necessidade medicinal.
Dados da agência mostram que o mercado de produtos à base de cânabis medicinal deu um salto desde 2015, quando teve início o processo de regulamentação da importação. Em 2022 foram 80.258 autorizações concedidas para a importação de produtos com a substância, o dobro de 2021 (40.165) e quase 100 vezes o de 2015 (850 autorizações).
Daniel Meirelles, um dos diretores da Anvisa, disse que a brecha ocorre porque a norma, a RDC 660, fala na permissão de importação de produtos industrializados à base de cânabis sem especificar quais seriam.
Meirelles afirma que a agência reguladora já tem conhecimento sobre o que está ocorrendo, tanto que está trabalhando para evitar que flores sejam importadas para fins recreativos. Uma das propostas avaliadas é a mudança da normativa.
“Pode ser uma proibição mais taxativa à flor de maconha in natura? Pode ser. Pode ser uma proibição da flor in natura industrializada? Isso que a gente está avaliando porque tem aspectos regulatórios e jurídicos envolvidos, em especial a ação civil pública que nos condenou, que diz que nós não podemos fazer diferenciação de produtos à base de cânabis”, afirmou.
Na mira da PF
Esse tema já entrou na mira da Polícia Federal, que tem feito um trabalho conjunto com a Anvisa para tentar identificar pessoas e empresas que aproveitam a brecha para uso recreativo. Na visão de autoridades, caso seja identificada, a pessoa pode responder por tráfico internacional de drogas.
Debate no STF
O STF debate há oito anos a descriminalização do uso de drogas para consumo pessoal no Brasil. Nesse período, países como Uruguai e Canadá tornaram legal e regulado o mercado de cânabis para uso não medicinal.