segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Demagogia eleitoral do Congresso pode custar R$5 bilhões ao próximo governo



Deputados e senadores, liderados pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), articulam a derrubada do veto que impede a alta do piso salarial de agentes de saúde em 53%. É mais uma bomba fiscal que o Congresso pretende deixar para o próximo presidente. O impacto no Orçamento ficará próximo a R$ 5 bilhões em três anos, segundo estimativa do governo.
Em julho, ao aprovar uma medida provisória do presidente Michel Temer para reformular as carreiras de agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias, o Congresso incluiu no texto uma demagogia a mais: o reajuste do piso salarial dessas carreiras. O projeto prevê elevação gradual do piso, dos atuais R$ 1.014 para R$ 1.550 em 2021.
Temer sancionou a proposta, mas vetou o trecho que permitia os reajustes. Entre os argumentos, afirmou que o aumento de despesas é prerrogativa do Poder Executivo e que o dispositivo fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. O Poder Legislativo somente pode criar despesas indicando de onde sairão os respectivos recursos financeiros.
Agora, cabe aos parlamentares, em sessão conjunta, a decisão de manter o veto ou reincluir dispositivo na lei e permitir os reajustes.
Em vídeo de campanha divulgado nas redes sociais, Eunício reclama que a área econômica do governo afirmou não ter recursos para pagar o novo valor do piso salarial.
“Estou eu aqui de novo, pronto para ir a Brasília, fazer uma reunião do Congresso Nacional, que sou eu que presido, para derrubar um veto do presidente”, disse.
À agência Folhapress ele afirmou que tentaria marcar uma sessão nesta semana. É mais provável, porém, que a reunião seja agendada para a primeira semana de setembro, quando já está previsto esforço concentrado para votação de projetos na Câmara e no Senado.
A elevação do piso atinge 355 mil agentes. Pelos cálculos do Ministério do Planejamento, se o número de profissionais não aumentar, o impacto fiscal será de R$ 1 bilhão em 2019, R$ 1,6 bilhão em 2020 e R$ 2,2 bilhões em 2021.
Embora sejam contratados pelos municípios, 95% do valor do piso desses servidores é bancado pelo governo federal.
Ainda assim, a Confederação Nacional de Municípios, que reúne prefeitos de todo o país, é contra o reajuste. O presidente da entidade, Glademir Aroldi, argumenta que o ônus para as prefeituras também é alto, já que elas são responsáveis por complementar os salários e pagar encargos, benefícios e treinamentos.
Aroldi diz que o aumento vai gerar pressão por reajustes de outras categorias e fazer com que municípios estourem o limite de gastos com pessoal.
Lideranças partidárias consideram que são altas as chances de derrubada do veto. Entre os fatores, está o apelo popular da proposta, em um momento em que mais de 70% dos parlamentares tentam a reeleição. Se confirmada, a sessão será a única do Congresso durante o período de campanha eleitoral.
Outro indicativo é o fato de os deputados e senadores já terem derrubado, em abril deste ano, veto de Temer a um projeto que flexibilizava a carga horária dessas mesmas carreiras. “Quando Eunício marcar a sessão, estaremos lá. A oposição está mobilizada”, disse o líder da minoria no Congresso, deputado Décio Lima (PT-SC).
Mesmo entre aliados do presidente, o sentimento é que a derrubada do veto é praticamente inevitável. Na Câmara, por exemplo, 228 dos 513 deputados compõem a Frente Parlamentar em Defesa dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. A maior parte deles é de siglas da base.
Para a líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS), mesmo que o reajuste infrinja a lei, é provável que o veto seja derrubado. “Se for para analisar o veto em setembro, é muito difícil alguém ter coragem de votar contra. O que aconteceria? Derrubaria o veto e deixaria para a Justiça analisar a constitucionalidade.”
Relator do projeto, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), responsável pela inclusão do reajuste no texto, disse que a proposta foi construída em conjunto com o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), sem contestação. André Moura e sua assessoria não responderam à reportagem.