domingo, 4 de julho de 2021

Ministério da Saúde propõe à ANS incluir vacina contra Covid no rol de planos de saúde

 

O Ministério da Saúde enviou à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) um ofício em que sugere que a agência avalie incluir vacinas contra Covid no rol dos planos de saúde —lista que contém os itens de cobertura obrigatória a usuários desses serviços.

A Folha teve acesso ao documento com a proposta, assinado pelo secretário de ciência e tecnologia da pasta, Helio Angotti, e enviado em 30 de junho.

A medida ocorre após a Conitec, comissão que avalia incorporação de medicamentos e tecnologias no SUS, decidir por incorporar as vacinas da Fiocruz/AstraZeneca e Pfizer na lista da rede pública.

A decisão por centralizar a análise nas duas vacinas ocorreu por serem as primeiras com registro na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que indica aval mais longo para sua utilização.

“Um dos critérios para inclusão de qualquer tipo de produto na saúde suplementar é a aprovação na Conitec. Por isso vamos encaminhar os relatórios à ANS para que analisem”, disse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.

Segundo ele, o parecer caberá à diretoria da agência. “Mas entendo que é vantajoso.”

Recentemente, o ministro já vinha mencionando a possibilidade de sugerir a inclusão da vacina contra Covid no rol dos planos de saúde, mas a proposta ainda não tinha sido concretizada.

Na prática, segundo o ministro, a medida abre dois caminhos. O primeiro seria uma obrigação das operadoras ressarcirem ao SUS por doses aplicadas em seus usuários assim que a medida passar a valer.

Outro caminho seria a própria oferta pelos planos. Atualmente, o setor soma 48 milhões de usuários.

“Nesse momento os planos conseguem adquirir? Não. Mas os beneficiários que estão recebendo doses os planos vão ressarcir. Em um momento diferente, onde se tenha a vacina para a iniciativa privada adquirir, podem tomar a decisão deles”, disse.

Atualmente, o rol de procedimentos de cobertura obrigatória nos planos não inclui oferta de nenhuma vacina –estratégia que é concentrada no país em geral no Programa Nacional de Imunizações, reconhecido internacionalmente, e em algumas clínicas privadas.

Questionado pela reportagem sobre o que levou a enviar a proposta, Queiroga diz que a ideia é abrir o debate sobre o tema após análise da Conitec apontar que as vacinas são “custo-efetivas”.

O comitê apontou que as vacinas podem trazer uma economia de até R$ 150 bilhões na prevenção da doença. O cálculo considera um período de cinco anos.

“Qualquer tecnologia que é aprovada pela Conitec é automaticamente considerada pela saúde suplementar. E as vacinas hoje têm um papel importante, porque a Covid leva a colapso do sistema de saúde de forma geral, não só no sistema público”, afirma.

Representantes de operadoras de planos de saúde questionados pela Folha, no entanto, dizem que a possibilidade de inclusão os imunizantes no rol deve aumentar custos a usuários e pode desorganizar a vacinação —uma vez que a inclusão no rol traria uma obrigação de oferta, por exemplo.

Marcus Pestana, assessor especial da presidência da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), diz ver na proposta ameaça à equidade social e problemas “econômicos” e “operacionais”.

“Se é uma coisa que atinge universalmente a todos, não seria justo introduzir no rol, porque induziria a um privilégio. A fila de vacinação tem critérios epidemiológicos, e não de renda”, aponta.

“O vírus não distingue quem tem contrato de saúde suplementar e quem se cuida no SUS. Vamos discriminar os mais pobres ofertando [vacina] nos planos?”

Ele afirma que a lógica da incorporação de uma vacina seria diferente da adotada para outros tratamentos e procedimentos no rol, em que margens diferentes de uso diminuem impacto nos custos.

“Já a vacina, como todo mundo vai usar, seria o mesmo que dividir o custo entre todos. No fim, é como se a pessoa estivesse pagando do seu bolso.”

Outro problema, alega, é a baixa disponibilidade de doses para compra, argumento citado também pela FenaSaúde, que representa os 15 maiores grupos de planos de saúde.

Em nota, o grupo diz que a medida desvirtua a lógica do Programa Nacional de Imunizações e pode ser “ineficaz”, uma vez que “não irá aumentar a disponibilidade de vacinas”.

“As maiores e melhores fabricantes já manifestaram que não venderão vacina contra a Covid para o sistema privado nesta fase da pandemia”, diz a federação, segundo quem “qualquer incorporação ao rol de cobertura significa aumento de despesas assistenciais e reajuste das mensalidades.”

“Os beneficiários de planos de saúde devem ter ciência de que ou pagarão a vacina na forma de tributos, como é hoje no SUS, ou pagarão na forma de tributos e também de mensalidades mais caras.”

Antes de ser sugerida pela Saúde, no entanto, proposta de avaliar a inclusão da vacina no rol já havia sido aventada por outros setores, chegando a constar de um ofício apresentado pelo MPF (Ministério Público Federal) à ANS em dezembro de 2020 e levado para reunião com a agência em fevereiro.

Na época, a câmara do consumidor e ordem econômica do órgão defendeu que a hipótese é “tema que deve ser enfrentado tecnicamente, com ampla discussão setorial e na sociedade, de modo a examinar viabilidade e compatibilidade entre um eventual esforço privado e o Programa Nacional de Imunização.”

Questionado, o MPF diz manter a posição.

Para Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, uma possível inclusão no rol seria “temerária” e “inadequada” e colocaria o país na contramão mundial.

“A imensa maioria dos países mantém programas governamentais, únicos e públicos de vacinação contra a Covid-19. Mesmo em sistemas de saúde onde predominam planos, como nos Estados Unidos, a vacinação é pública e a participação do setor privado se limita à logística.”

Outro fator, aponta, seria o risco de gerar “uma fila dupla” e “tumultuar ainda mais a vacinação” –em um contexto em que o plano de vacinação já vive um cenário de atrasos, com apenas 17% dos adultos vacinados com duas doses.

“Não faltam recursos públicos para vacinas, faltam doses e coordenação”, afirma.

Em nota, a ANS confirma ter recebido o ofício do ministério e diz que “dará atenção à questão”, “verificando junto à coordenação do Plano Nacional de Imunizações a conduta mais adequada frente ao quadro de novas infecções.”

A agência, porém, diz que é preciso “cautela e responsabilidade” sobre o tema, “dado o atual momento de escassez de vacinas”.

“Tendo em vista que, até o momento, não há vacinas de cobertura obrigatória no rol, o processo de incorporação exigiria ampla participação [em debate] e simulação dos impactos possíveis na saúde pública”, aponta.

“Cabe lembrar que os imunizantes funcionam, de fato, quando considerados como medida coletiva, e não fragmentada em grupos específicos (nesse caso, os beneficiários de planos de saúde).”

Essa, porém, não é a primeira vez que a gestão atual do Ministério da Saúde apresenta propostas sobre a saúde suplementar. Desde que assumiu o cargo, Queiroga tem defendido que haja discussão sobre a situação do setor. Entre os argumentos, aponta alta “concentração empresarial” e assimetria entre operadoras, além de reajuste alto a usuários.

Em maio, uma proposta de diretrizes para planos de saúde no combate à Covid chegou a ser colocada em consulta pública, mas gerou críticas de especialistas devido à falta de sugestões específicas sobre a doença. A previsão é que a medida volte a ser analisada em reunião do Conselho Nacional de Saúde Suplementar na próxima semana.

FolhaPress