segunda-feira, 6 de julho de 2020

Coronavírus: por que números de casos e mortes por covid-19 no Brasil podem estar longe da realidade

Alguns cientistas acreditam que os números reais de casos e mortes podem ser bem maiores no Brasil

As estatísticas oficiais afirmam que mais de 1,6 milhões de brasileiros já contraíram o coronavírus, e que mais de 64 mil morreram em decorrência de covid-19.

Três levantamentos divulgados diariamente no Brasil têm tentado dar a fotografia da pior pandemia do século 21. O primeiro deles é o portal Painel Coronavírus, do governo federal. Os outros dois são iniciativas das secretarias estaduais de Saúde e de um consórcio de órgãos de imprensa — ambas lançadas em meados de junho, quando o governo federal interrompeu a divulgação de dados por alguns dias, provocando dúvidas de diversos especialistas sobre a veracidade dos números que vinham do Ministério da Saúde.

Um mês após a polêmica, os três portais têm apresentado estatísticas razoavelmente parecidas, com apenas pequenas discrepâncias.

Mas, mesmo assim, ainda existem muitas dúvidas sobre a confiabilidade desses números — devido a uma série de deficiências na forma como os casos e as mortes são contabilizados.

Essas imperfeições elevam consideravelmente o risco de os números oficiais sobre infectados e mortos por covid-19, tanto no Brasil como no resto do mundo, estarem subestimados. Em outras palavras, podem estar pintando um quadro distorcido da realidade.

Um estudo do Laboratório de Inteligência em Saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo (USP), por exemplo, estima que o Brasil poderia estar próximo de atingir a marca de 9 milhões de pessoas com covid-19 — sugerindo que pode haver uma margem de erro de até 500% nas estatísticas oficiais.

Os pesquisadores partem da noção de que não há testes suficientes feitos no Brasil para se determinar o número de infectados com o Sars-Cov-2, o vírus causador da covid-19.

Assim, eles usam dados da Coreia do Sul — país com um dos melhores sistemas de exames de covid-19 do mundo — para calcular a taxa de letalidade da doença, que é a quantidade de pessoas que morrem em proporção à quantidade que fica doente.

Assumindo que essa taxa de letalidade da doença seja fixa para todo o mundo — ou seja, que a covid-19 mata a mesma proporção de pessoas em todos os países —, eles calcularam o total de pessoas contaminadas com covid-19 no Brasil usando essa taxa fixa e o número de óbitos oficiais no país, que seria mais confiável do que apenas o registro de casos da doença.

Alguns ajustes pontuais foram feitos, considerando diferenças nas pirâmides etárias dos dois países e tempo médio entre internação e óbito. Foi usando essa "engenharia reversa" que eles concluíram que o Brasil pode estar com até seis vezes mais casos do que mostram as estatísticas oficiais.

Demógrafos e cientistas ouvidos pela BBC News Brasil dizem não acreditar que exista um esforço intencional do país de subnotificar os casos, mas que diversos problemas do país — alguns deles comuns em diversas outras nações que enfrentam a pandemia — dificultam a compreensão da dimensão real da crise do coronavírus.

Mas afinal, quais são esses problemas? Por que é tão difícil estabelecer números precisos sobre casos e mortes por covid-19 no país?