sexta-feira, 20 de outubro de 2017

EM SENTENÇA EMOCIONADA, DESEMBARGADOR PROTESTA CONTRA IMPUNIDADE



O desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Tribunal de Justiça do Espírito Santos, decretou a impunidade do assassinato do padre francês Gabriel Felix Roger Maire, ocorrido naquele Estado, em setença emocionada.
O padre Gabriel Maire trocou Paris pela vida em uma comunidade paupérrima de Porto de Santana, perto de Cariacica, em 1980, até ser brutalmente executado em 1989 por sua dedicação à luta contra as injustiças. No Estado do Espírito Santo, onde é muito elevada a quantidade de crimes impunes, o processo chegou a ficar suspenso por mais de nove anos.
O magistrado lamenta que o caso tenha chegado às suas mãos tão tardiamente, e revela que se esforçou para descaracterizar a prescrição do crime, mas esbarrou na legislação e na jurisprudência. Feu Rosa é de uma das muitas famílias capixabas, milhares, que lutam contra a impunidade: dois familiares foram assassinados, em 1990 e 1996, e os crimes jamais foram punidos. Ele desabafa, em seu voto:
- Hoje é um dos dias mais tristes de minha vida! Um dia de negação de minha profissão. De reflexão - e desilusão - sobre meu papel nesta vida. Cá estou, Desembargador de um Tribunal de Justiça, a cuja família o Poder Judiciário abandonou - e de forma vil - por duas vezes, obrigado a infligir idêntica dor à família de um sacerdote cujo único crime foi vir ao Brasil procurar semear o bem!.
Em tom indignado e contundente, mas elegante, o desembargador Pedro Valls Feu Rosa protesta contra o ritmo lento que garante a impunidade, mas se recusa a culpar as leis e os formalismos: "Mentira! Cínica mentira! Não há Código de Processo neste mundo que possa atrasar um julgamento por décadas a fio!"
Elogio a Sérgio Moro
Feu Rosa destaca, em seu voto, o trabalho desenvolvido pelo juiz Sérgio Moro, à frente da Operação Lava Jato, demonstrando que é possível, sim, concluir processos e prolatar sentenças no tempo adequado. "Ao longo de apenas três anos um único juiz, mesmo tendo diante de si as maiores, melhores e mais bem pagas bancas de advocacia do país, capacitadas a explorar cada meandro das leis, proferiu 34 sentenças, com 170 condenações contra 109 acusados poderosos, totalizando 1.680 anos, 3 meses e 25 dias de prisão. Recuperou para a União, ainda, valores próximos a R$ 3 bilhões", elogiou.
"Eu não sei se estas decisões estão certas ou erradas, se são justas ou injustas", diz ele, que não leu os processos da Lava Jato, "mas cabe-me, isto sim, com a responsabilidade de meu cargo, registrar que elas existem! Contrariando todas as probabilidades, foram prolatadas no tempo correto."
O desembargador afirma que o Código de Processo Penal utilizado na 13ª Vara Federal de Curitiba pelo Juiz Sérgio Moro é o mesmo a ser utilizado por todo o Brasil. É a mesma lei processual que rege os atos de todos os outros juízes brasileiros."
Leia a íntegra do voto do desembargador
França, 1º de agosto de 1936. Nascia Gabriel Felix Roger Maire. Manifestaria, desde a mais tenra infância, sua vocação para o serviço religioso. Foi assim que, aos 12 anos de idade, atravessou os portões de um seminário. Passados mais alguns anos, ei-lo ordenado Sacerdote, nos idos de 1963.
Não tive a honra de conhecê-lo pessoalmente. Mas, contemplando sua obra, posso afirmar, sem medo de errar, que se há uma palavra que possa descrever seu apostolado seja ela a "firmeza" - ao longo de sua caminhada, foram notáveis as posições firmes contra os maus e os abusos do Estado. Da tortura à corrupção, da negligência à insensibilidade, cada desvio dos poderosos era imediatamente alvo da ira santa deste notável Sacerdote.
Não por acaso, em pouco tempo seria escolhido Secretário-Geral do "Movimento Popular do Cidadão do Mundo", palco de atuação de todos aqueles que, independentemente de credo, convicção política ou nacionalidade, munidos apenas de coragem cidadã, queriam simplesmente dizer "não" - não à opressão, não às armas, não à miséria moral e material.
Aos 2 de outubro de 1980, deixou uma vida confortável em seu país para vir continuar sua peregrinação em Porto de Santana - um local então paupérrimo, em tudo diferente do brilho da "Cidade-Luz" que, com tanto desprendimento, deixara para trás.
Deparou-se, nesta nova fase de seu apostolado, com aquele que seria seu mais formidável inimigo: o mal infiltrado nas instituições, algo que justificadamente podemos denominar de "crime organizado".