
Auditores fiscais, procuradores e juízes do trabalho protestaram nesta quinta-feira, 19, no Salão Verde da Câmara dos Deputados contra a portaria do governo que dificulta a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições degradantes e análogas à escravidão. Ao lado de parlamentares da oposição, os representantes das instituições voltaram a pedir a revogação dos efeitos da portaria.
A norma publicada na segunda-feira, 16, no Diário Oficial, determina que, a partir de agora, só o ministro do Trabalho pode incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo, esvaziando o poder da área técnica responsável pela relação. A nova regra altera a forma como se dão as fiscalizações, além de dificultar a comprovação e punição desse tipo de crime.
Até então, os fiscais usavam conceitos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada às Nações Unidas, e do Código Penal. A medida gerou polêmica e vem sendo criticada por diversos setores.
No ato, parlamentares do PT, PSB e Rede defenderam a aprovação de um projeto de decreto legislativo para derrubar os efeitos da portaria.
Os manifestantes argumentam que a nova portaria representa um retrocesso na legislação do mundo do trabalho, uma vez que fere o conceito contemporâneo de trabalho escravo e segue na contramão das principais convenções internacionais que asseguram a dignidade nas relações trabalhistas.
“Uma portaria que faz um reducionismo conceitual atenta tanto contra a autonomia do poder legislativo nessa definição, como contra a liberdade da magistratura em, dentro das balizas técnicas, constitucionais e legais, entender quando há trabalho escravo contemporâneo. Esta portaria, para gerar uma segurança jurídica, precisaria ser discutida com a sociedade civil organizada, precisaria ouvir procuradores, juízes e auditores fiscais. Este diálogo não houve, portanto, ela gerará mais insegurança do que segurança.”, declarou o juiz Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra).
Legislação
Atualmente, a legislação brasileira considera trabalho escravo qualquer atividade laboral que submeta o empregado a “trabalhos forçados ou à jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto”, conforme redação do Código Penal.
Para quem comete o crime de redução do empregado à condição análoga à escravidão, o código prevê prisão de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente à violência cometida contra o empregado. A pena é aumentada pela metade se o crime for cometido contra criança e adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.
A nova portaria considera trabalho escravo apenas aquele em que for constatada restrição ao direito de ir e vir.
“Nós queremos que essa portaria seja imediatamente revogada pelo presidente da República. E se não o for, vamos pressionar esta Casa para que aprove o projeto de decreto legislativo e sustemos os efeitos dessa vergonhosa portaria que quer nos fazer retroceder décadas”, disse o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ).
Apoio
Os deputados apresentaram requerimento ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) para apreciar os projetos em plenário com urgência. Para os parlamentares, o governo editou a portaria para atender à Frente Parlamentar da Agropecuária, composta por mais de 200 deputados, que no primeiro semestre tentaram aprovar uma proposta que também restringia a definição de escravidão apenas a situações em que ocorrem o cerceamento da liberdade.
Os oposicionistas acreditam que o governo editou a portaria para garantir o apoio dos ruralistas na votação da denúncia contra o presidente Michel Temer pelos crimes de obstrução de Justiça e organização criminosa. A votação da denúncia está marcada para o próximo dia 25. Rodrigo Maia ainda não se manifestou se pautará para a mesma semana os projetos que pretendem sustar a portaria.
Gilmar Mendes
Mais cedo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, ao comentar a portaria do governo, disse que o trabalho que faz é "exaustivo", mas que não considera que se submete a um "trabalho escravo".
O presidente da Anamatra criticou o comenário do ministro e afirmou que não se pode comparar o trabalho do ministro com, por exemplo, o de um cortador de cana-de-açúcar que faz movimentos repetitivos sob o sol por 12 ou 13 horas diárias.
Nesta quinta, ao comentar sobre a portaria, Mendes “Não me parece que é a mesma situação de quem, com toda a dignidade necessária, trabalha em gabinete. São comparações que não cabem, que são absurdamente infelizes”, disse