quinta-feira, 16 de setembro de 2021

À CPI da Covid, Marconny Faria nega usar suas relações pessoais para ganhos econômicos e diz que seria ‘um péssimo lobista

 


O lobista Marconny Faria presta depoimento nesta quarta-feira à CPI da Covid, no Senado. Suspeito de atuar no Ministério da Saúde em prol dos interesses da Precisa Medicamentos, empresa investigada no colegiado pela venda da vacina indiana Covaxin ao governo brasileiro, Faria negou ser lobista e ainda afirmou que, caso fosse, seria “um péssimo lobista”. Na comissão, Marconny ganhou o apelido de “senhor de todos os lobbies”, cunhado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).

Em sua fala inicial, Faria disse que as mensagens de seu celular não têm relação com a pandemia. Negou ser lobista e disse que foi ele quem denunciou um esquema de corrupção no Instituto Evandro Chagas, um órgão federal ligado ao Ministério da Saúde e sediado no Pará. Disse ainda não ter envolvimento na compra de vacinas, tendo atuado para a Precisa em outra processo de compra pública, para aquisição de testes.

— Tive uma aparelho celular apreendido após ter sido responsável por denunciar corrupção do Instituto Evandro Chagas. Não era alvo de corrupção. Nunca fui alvo de corrupção. E me tornei investigado — afirmou Faria, recusando-se depois a dar mais detalhes porque o processo corre em segredo de justiça.

Ele também disse que nunca transformou suas relações sociais em ganhos econômicos.

— Os contatos que criei ao longo da minha carreira vieram em decorrência de minha formação, além de ter crescido nesta maravilhosa capital federal. Ao longo da minha carreira, conheci pessoas do mundo social de Brasília, de várias tendências políticas. O extrato das minhas conversas demonstram é que tenho ótimos amigos. Ao contrário do que dizem por aí, se eu um fosse um lobista, eu seria um péssimo lobista, porque jamais fui capaz de transformar minhas relações sociais em contratos e resultados econômicos milionários, conforme falsamente divulgado pela imprensa.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), questionou por que ele buscou um atestado médico, mesmo sendo um profissional liberal que não precisa justificar falta no trabalho. Marconny disse que, em razão da situação que o colocou no centro das atenções da CPI, passou mal e foi a um médico que, observando o seu estado, deu um atestado.

Marconny também anunciou que usaria o direito garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de não responder perguntas que possam incriminá-lo.

Senador envolvido

Em uma mensagem de seu celular, Faria disse que um senador poderia “desatar o nó” do processo da compra de testes da Precisa. Integrantes da CPI perguntaram quem é esse senador, mas ele disse não saber. Questionado quantos senadores conhece, disse que nenhum. Em seguida, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) o criticou duramente, lembrando que no passado Marconny já subiu em carro de som para gritar contra a corrupção e concluindo ser um oportunista. A senadora Leila Barros (Cidadania-SE) sugeriu levantar os registros de Marconny no Senado para saber que gabinetes já visitou. Depois disso, Marconny afirmou já ter ido ao Senado antes, mas não foi ver nenhum senador.

Ele também disse que a assessoria à Precisa era técnica e política. O senador Otto Alencar perguntou então que político ele procurou no Ministério da Saúde, e Faria respondeu que nenhum. Ele não quis responder quantas vezes já foi ao escritório da Precisa em Brasília.

O suposto lobista afirmou ainda que presta assessoria apenas para o setor privado, o que inclui também parlamentares, mas não quis dizer os nomes dos clientes em razão de cláusula de sigilo. Alguns senadores acharam estranho ele considerar parlamentares como setor privado.

Em entrevista antes da sessão, o relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que a CPI conseguiu comprovar várias linhas de investigação, exceto a relacionada aos hospitais federais no Rio de Janeiro, o que preciso ser melhor apurado ainda.

— São muitas informações, muitos personagens, o que na verdade dificulta uma conclusão quanto a esse fato. Mas em relação aos demais não. Estão todos muito bem encaminhados do ponto de vista da prova. O relatório conterá a indicação de crimes comuns. São vários os tipos de crimes comuns. Crimes de responsabilidade, e crimes contra a humanidade. E estou avaliando criteriosamente a possibilidade da utilização do genocídio em relação à questão indígena no Brasil — disse Renan.

Faltas e atestados

Inicialmente, a oitiva de Marconny estava marcada para 2 de setembro, mas ele faltou a sessão e apresentou um atestado médico, que foi contestado pela cúpula da comissão. No início da semana, a Justiça Federal de Brasília autorizou, se necessário, a condução coercitiva de Marconny. Isso significa ele poderia ser levado à força caso se não tivesse comparecido espontaneamente.

Conforme revelou o GLOBO, mensagens compartilhadas pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará mostram que o lobista tinha uma vasta teia de contatos em Brasília, incluindo a ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, e um de seus filhos, Jair Renan Bolsonaro, conhecido como “04”. A empresa de Jair Renan, a Bolsonaro Jr Eventos e Mídia, foi aberta com a ajuda de Marconny.

Os diálogos também revelaram que, a pedido do lobista, Ana Cristina acionou o Palácio do Planalto para influenciar na escolha do defensor público da União, em 2020, junto ao então ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, atual membro do Tribunal de Contas da União (TCU). As mensagens também indicam que, em outra ocasião, Ana Cristina atuou para emplacar uma indicação do advogado em um instituto ligado ao Ministério da Saúde.

Além de familiares do presidente da República, o lobista também mantinha contato com Karina Kufa, advogada do presidente Jair Bolsonaro, e também recorreu a ela para o processo de escolha da Defensoria Pública. Conversas no celular de Marconny mostram que Karina Kufa acionou o Gabinete de Segurança de Institucional (GSI) para influenciar no processo e evitar que um dos candidatos fosse nomeado pelo presidente.

O Globo