sexta-feira, 4 de setembro de 2020

MPF pede intervenção judicial na Vale para garantir segurança de barragens

Acordo para indenizar 83 atingidos em desastre de Mariana será homologado

O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Força-tarefa Brumadinho, ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que seja determinada a intervenção judicial na Vale S.A., para garantir segurança de barragens. Tal intervenção será exclusivamente em funções corporativas que elaboram e implementam planos e políticas de segurança interna da empresa. O pedido é motivado pelos desastres em barragens em Mariana e em Brumadinho, em Minas Gerais, que vêm gerado extensos e profundos danos à sociedade, caracterizando atuação desrespeitosa aos direitos humanos.
O MPF quer que seja nomeado um interventor judicial para elaborar um plano de trabalho de reestruturação da governança da mineradora, que deve incluir metas de curto, médio e longo prazos. O plano deverá ser submetido ao juízo e aprovado, após manifestação das partes, no prazo que for judicialmente determinado.
E o interventor ainda deve identificar, em até 15 dias, os diretores e demais gestores da alta administração que deverão ser afastados de seus cargos, a fim de possibilitar que o interventor assuma todos os trabalhos atinentes à sua atividade.
O MPF pede que ainda seja explicitada a metodologia de trabalho, que deverá seguir padrões internacionalmente reconhecidos em termos de medidas preventivas de desastres, de transparência, responsabilidade, bem como incluir uma perspectiva de desenvolvimento das atividades empresariais da companhia que seja respeitoso aos direitos humanos, inclusive no tocante ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Também foi pedido que a Vale contrate uma empresa de auditoria independente, preferencialmente entre quatro maiores do mundo, que ficará responsável por auditar a nova governança implementada. Esses relatórios deverão ser submetidos ao MPF, à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à Agência Nacional de Mineração (ANM), recomendando e indicando as melhorias e incrementos vinculantes.
Em relação à ANM e à CVM, também rés, o MPF pede que sejam obrigadas a supervisionar e fazer as recomendações necessárias à implementação do plano de governança proposto e desenvolvido pelo interventor, apresentando semestralmente ao juízo relatório com os resultados das suas avaliações. Em relação à ANM e à CVM, o MPF pede que lhes seja facultado migrarem para a condição de autoras.
Segundo a ação, ao contrário do que afirma publicamente e de dados que divulga, a Vale desenvolveu ao longo do tempo uma cultura interna de menosprezo aos riscos ambientais e humanos, na qual se apropria dos lucros de suas operações, mas repassa para a sociedade os riscos e efeitos deletérios de sua gestão, acarretando uma verdadeira situação de irresponsabilidade organizada.
Os desastres do rompimento das barragens de Fundão, em Mariana, e da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, são as manifestações mais evidentes dessa conduta, mas não as únicas, que está disseminada na cultura corporativa da mineradora.
“[Fundão e Córrego do Feijão] em razão do descompromisso da Vale com a segurança de barragens de rejeitos e, consequentemente, com o meio ambiente e a vida, romperam-se e causaram, num curto espaço de tempo entre elas, os dois maiores desastres sociotécnicos do Brasil”, diz a Força-tarefa Brumadinho.
Para o MPF, esses desastres não são exceções, mas uma forma reiterada de comportar-se, uma política sistemática de gestão de riscos que privilegia a produção e o lucro em detrimento da segurança, pondo em risco a própria vida humana.
Como é público e notório, outras barragens estavam prestes a romper e, se não fosse uma atuação das instituições do sistema de Justiça, não haveria o acionamento em massa dos planos de ação de emergência dessas barragens que pertencem à mineradora, apesar de a Vale negar que havia qualquer problema com elas. O resultado foi a remoção de diversas comunidades que residiam a jusante dessas estruturas, de modo a evitar a repetição de desastres como os já ocorridos.
Em razão disso, foram firmados vários termos de ajustamento de conduta com a Vale para as minas de Capitão do Mato, Cauê, Conceição, Gongo Soco, Mina do Meio e outras, bem como para as estruturas remanescentes das Minas Capanema, Fazendão, Córrego do Meio e Mina de Águas Claras.
Por meio deles, contratou-se de forma emergencial uma consultoria independente para reavaliar as informações que a empresa havia fornecido aos órgãos de controle quanto à segurança dessas barragens, em nada confiáveis, como a de Fundão e as da mina do Córrego do Feijão.
As consultorias detectaram falhas graves, que foram objeto de recomendações ou ordens judiciais direcionadas à Vale para que as corrigissem.