sábado, 9 de agosto de 2025

Investigação da PGR aponta corrupção em licitação milionária da COP30.


 













Em 4 de outubro de 2024, dois dias antes das eleições municipais, uma denúncia anônima fez a Polícia Federal (PF) ir a uma agência do Banco do Brasil na Avenida Barão do Rio Branco, em Castanhal, cidade a 70 km de Belém, capital do Pará.

Ao chegar ao local, a PF encontrou o policial militar Francisco Galhardo com R$ 5 milhões em espécie. Galhardo foi flagrado do lado de fora do banco, no momento em que entregava R$ 380 mil a uma pessoa identificada como Geremias Hungria.

Todos foram presos em flagrante, acusados de crime eleitoral, e um inquérito foi aberto para apurar a origem e o destino do dinheiro. O celular apreendido naquele dia com o PM Francisco Galhardo levou os investigadores a suspeitas que vão além da compra de votos.

Nele, a PF encontrou tratativas de compra de votos e confirmou as suspeitas do ilícito eleitoral.

No entanto, o aparelho forneceu mais informações e resultou na descoberta de fortes indícios de uma série de outros crimes; entre eles, corrupção em uma licitação do governo do Pará relacionada à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30).

As mensagens revelaram que o PM Francisco Galhardo era, na verdade, um funcionário do deputado federal Antônio Doido (MDB-PA) e desempenhava todo tipo de função, desde a segurança do parlamentar até o saque, o transporte e a entrega de valores milionários.

Além do saque de R$ 5 milhões pelo qual foi preso, os investigadores descobriram que, entre 2023 e 2024, Francisco Galhardo sacou R$ 48,8 milhões, de acordo com dados enviados pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O dinheiro foi sacado de contas de duas construtoras: a J.A Construcons e a JAC Engenharia.

A primeira empreiteira tem como sócia Andréa Dantas, mulher do deputado federal Antônio Doido. A segunda está registrada em nome de Geremias Hungria, funcionário de uma fazenda do deputado, e o mesmo homem preso ao receber os R$ 380 mil de Francisco Galhardo, o PM que também trabalha para Doido.

As coincidências despertaram a desconfiança da Procuradoria-Geral da República (PGR). Para os investigadores, as duas empresas abastecem um esquema milionário relacionado ao desvio de verbas públicas e corrupção.

Contratos milionários

As duas empreiteiras vinculadas a Antônio Doido têm contratos milionários com o governo do Pará e venceram duas licitações da COP30. Uma de R$ 142 milhões e a outra de R$ 123 milhões, totalizando quase R$ 300 milhões. Somente na primeira a PGR aponta indícios de corrupção.

No celular apreendido pela PF, os investigadores encontraram dezenas de mensagens sobre saques milionários e entregas de valores realizadas por Francisco Galhardo.

Diálogos entre o PM e o secretário Benedito Ruy Cabral, conhecido com Ruy Cabral, chamaram a atenção dos investigadores e levantaram suspeitas sobre corrupção na licitação da COP30.

Ao menos quatro mensagens trocadas pelo PM Francisco e o secretário de obras do Pará são apontadas pela PGR como forte indício de que eles tratavam da entrega de dinheiro de corrupção relacionada à conquista da licitação da COP30 conduzida pelo próprio Ruy Cabral.

“Vem.”
“Entra. Vem. Na minha porta atrás.”
“Meu chefe, eu deixei com… Eu deixei com a Andreia.”
As conversas, coincidentemente, iniciam-se no mesmo dia, 20 de setembro de 2024, em que o consórcio formado pelas duas empresas ligadas a Antônio Doido vence a licitação da COP30. Também na mesma data, o PM Francisco Galhardo sacou R$ 6 milhões.

Ainda segundo o governo do Pará, estudos técnicos preliminares foram realizados e foi produzido um portfólio de intervenções.

“Todavia, algumas iniciativas, a exemplo de outras obras de mobilidade, eficiência energética, turismo e saneamento, acabaram sendo excluídas do conjunto de obras originalmente associado à COP30”, disse o governo.

Sobre a licitação com suspeita de corrupção, o governo disse que o processo licitatório “foi formalmente revogado, ato devidamente publicado em dezembro de 2024, e que toda a documentação preliminar permanece acessível para consulta pública, reafirmando o compromisso e dever do governo do estado do Pará com a transparência e o interesse público”.

Como mostra a reportagem, o cancelamento da licitação se deu após a prisão do PM Francisco Galhardo e, segundo a PGR, depois da divulgação das notícias de suspeitas de irregularidades no procedimento licitatório.

A gestão estadual também se posicionou sobre o secretário de Obras Públicas, Ruy Cabral.

“O governo do Pará esclarece que, no exercício de suas funções, o secretário mantém interlocução institucional com órgãos da administração pública e representantes da sociedade civil exclusivamente para a consecução do interesse público, não se estendendo a qualquer espécie de relação de natureza privada”, diz a nota.

Ainda de acordo com o governo, o secretário Ruy Cabral “não participou de reuniões com o policial mencionado, tampouco recebeu bens, valores ou benefícios de tal agente, e não foi notificado acerca de qualquer investigação ou procedimento administrativo ou judicial que o envolva”.

“O governo do estado reforça que não possui ciência de qualquer investigação originada a partir das contratações citadas e que, caso seja formalmente notificado, colocará imediatamente todos os mecanismos de controle interno à disposição das autoridades competentes, assegurando a pronta elucidação dos fatos”, afirma a nota.

Metrópoles.